domingo, 12 de março de 2017

Um Limite Entre Nós

Data de lançamento: 2016
Direção: Denzel Washington
Roteiro: August Wilson
Elenco: Denzel Washington, Viola Davis, Stephen Henderson, Jovan Adepo, Russell Hornsby, Saniyya Sidney e Mykelti Williamson.
Gênero: Drama
Duração: 140 minutos
País: EUA
Idioma: Inglês
Distribuidor: Paramount Pictures
Sinopse: Baseado na aclamada e premiada peça teatral homônima. Um homem, que sonhava em se tornar um grande jogador de beisebol durante sua infância, acaba frustrado na vida como um catador de lixo.
Link para o trailer legendado: Um limite entre nós

"Cercas" seria o título mais apropriado para o filme que acabou intitulado como "Um limite entre nós" (vou sempre implicar com a liberdade poética/comercial das traduções dos filmes estrangeiros!). Neste caso específico, a tradução esvazia a grande metáfora que conduz o filme: o lixeiro Troy Maxson (Denzel Washington) está construindo uma cerca de madeira no seu quintal a pedido de sua esposa, Rose (Viola Davis) que cobra a conclusão da tarefa em vários momentos do filme. Baseado em uma peça escrita por August Wilson em 1983 - encenada na Broadway em diferentes épocas - o filme parece uma transposição fiel do teatro para o cinema. Li muitas críticas elogiando o resultado e outras criticando a direção, eu não tenho elementos para avaliar tecnicamente o que foi feito, mas funcionou muito bem para mim. O fato é que você percebe que está vendo uma história que foi pensada para o teatro, mas isso não torna o filme cansativo ou lento. Em alguns momentos sentimos falta de ver um determinado evento acontecer: temos apenas o relato dos personagens o que nos obriga a imaginar o que aconteceu e isso parece pouco em algumas situações. Um bom exemplo é a audiência de Troy na justiça para reivindicar o direito de dirigir os caminhões de lixo (apenas os brancos eram motoristas), o fato é relatado por Troy que conta os detalhes, mas não vemos o que aconteceu. Os cenários são poucos (basicamente se resumem ao quintal nos fundos da casa, o interior da casa e a rua), mas isso não enfraquece a história.

Aliás, que história! É uma história sobre a vida, sobre pessoas comuns e como elas são moldadas por seus contextos, suas escolhas e suas consequências. É estranhamente familiar para quem é um pouco mais velho porque a atitude de Troy em relação aos filhos poderia ser identificada em um número significativo de famílias que conheci ao longo da vida. Quem nunca ouviu falar de um pai durão que exigia respeito dos filhos e que era extremamente severo para que os filhos "não se tornassem vagabundos"? Troy é um homem amargurado com a vida e que acredita que a rigidez e a falta de afeto são plenamente compensados com um teto e comida na mesa. Espera e exige respeito de seus filhos e assume que tem que cuidar de todos, as discussões sobre dinheiro demonstram as relações de poder estabelecidas, assim como o fato de cuidar do seu irmão (que sofreu um ferimento na guerra e ficou mentalmente incapacitado) também perpassa a questão financeira e o senso de responsabilidade de Troy. Só vemos Troy ser carinhoso com a esposa, como se a tal cerca que está construindo no seu quintal também limitasse as relações de afeto com os seus filhos, que buscam constantemente a sua aprovação, sem sucesso. Como em tantas famílias, a rigidez e seriedade que ele exige dos outros não foi contemplada no seu passado (ele ficou preso durante muitos anos e teve um filho quando jovem) ou no seu futuro, como veremos ao longo do filme. Ele acredita que merece um tratamento especial dos filhos, da esposa, dos amigos e da vida e está sempre ressentido quando as coisas não acontecem como o planejado. Troy culpa os outros por sua vida dura, por não ter se tornado um jogador profissional de baseball ou por não conseguir manter o irmão dentro de sua própria casa para ser cuidado por ele. O amigo Bono (Stephen Henderson) que pacientemente escuta as história intermináveis contadas por Troy, está constantemente advertindo-o das consequências dos seus atos e é ignorado.

Troy é o tipo de pessoa intransigente e implacável com os erros dos outros, mas que espera e exige compreensão e complacência de todos. Evidentemente, a única coisa que colherá será o desprezo das pessoas, mas dificilmente ele perceberia que é responsável por isso e esse é um ponto importante na história. Troy é resultado do contexto, das circunstâncias e de suas próprias escolhas, mas é difícil determinar em qual momento cada elemento predominou para construir e lapidar a sua personalidade e temperamento difícil. Se Denzel Washington maravilhosamente domina o filme inicialmente carregando toda a carga dramática da história, gradualmente ele cede espaço para os outros que crescem enquanto ele diminui. E ele diminui porque vai revelando as suas imperfeições e incoerências, abrindo espaço para que os outros assumam a posição de decisão e força, seja o filho que se rebela contra a autoridade paterna ou a esposa que despeja toda a sua frustração e raiva em uma cena maravilhosa da diva Viola... É uma história comum, com pessoas comuns que são responsáveis pela construção das próprias cercas que as aprisionam. A libertação pode estar em vários elementos: em uma criança que precisa ser cuidada, na fuga de casa, na prisão ou até mesmo na morte. Entretanto, a mensagem maior no filme é a ideia do perdão, não no sentido de aceitar os erros do outro, mas de compreender as limitações e intenções de cada um. Talvez se fosse possível compreender todo o processo de construção das pessoas com as quais convivemos, não ficaríamos tão vulneráveis e não precisaríamos proteger os nossos sentimentos com armaduras por motivos reais ou imaginários. Poderíamos, finalmente, derrubar as tais cercas que construímos dentro de nós.

Minhas críticas profissionais preferidas sobre o filme: Cinema em Cena e Cinema com Rapadura.

# Li em algum lugar que algumas pessoas acharam inacreditável que uma mulher aceitasse criar o filho da amante do marido na década de 1950, mas eu tenho um caso exatamente como esse na minha própria família. Um dia, apareceu uma mulher com uma menina recém-nascida na porta da casa da minha tia dizendo que não tinha condições de criar a menina e que o pai era o meu tio. Minha tia nunca discutiu a questão, aceitou e criou a menina na sua casa como sua própria filha, para espanto da família inteira. Sim, isso acontece, não foi nos EUA e nem na década de 50, mas no final dos anos 70, em uma cidade pequena do interior do Rio de Janeiro!

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