quarta-feira, 1 de março de 2017

Moonlight: sob a luz do luar

Data de lançamento: Outubro de 2016
Direção: Barry Jenkins
Roteiro: Barry Jenkins
Elenco: Alex R. Hibbert, Mahershala Ali, Ashton Sanders, Trevante Rhodes, Naomie Harris, Janelle Monáe, Jaden Piner, Jharrel Jerome, André Holland
Gênero: Drama
Duração:111 min
País: EUA
Idioma: Inglês
Distribuidor: Diamond Films

Link para o trailer legendado: Moonlight: sob a luz do luar

Sinopse: Black trilha uma jornada de autoconhecimento enquanto tenta escapar do caminho fácil da criminalidade e do mundo das drogas de Miami.

Moonlight é o tipo de filme que chega detonando tudo: as injustiças no nosso modelo de sociedade, a falácia da meritocracia, o sistema educacional, a maternidade, os modelos de família, a amizade e os estereótipos dos traficantes, dos gays e dos viciados.O filme mostra sem filtros que a ideia de que o sucesso depende apenas do indivíduo e que é possível nos colocar no lugar do outro e entender o tortuoso percurso que definiu a vida de alguém, não passa de uma grande falácia perpetuada por quem quer apenas se sentir confortável com as injustiças e garantir os seus privilégios. O filme é belíssimo e a fotografia é praticamente o eixo no qual a potente história contada por Jenkins ganha força e transforma toda forma de violência em delicadeza. O roteiro do diretor Barry Jenkins baseado na peça de Tarell Alvin McCraney, intitulada "In Moonlight Black Boys Look Blue" , mostra o que é ser um menino doce e bom que precisa crescer praticamente por sua própria conta, com uma mãe viciada em drogas que não faz o básico que é cuidar do seu filho. O fato de "ser diferente" mesmo sem saber exatamente o que isso significa, faz com que o menino sofra violência constante dos colegas, dos vizinhos e da própria mãe.

O filme é estruturado em três capítulos e cada um recebe o nome do personagem principal em diversas fases da sua vida. O filme começa acompanhando um menino magro e faminto chamado Little que é constantemente perseguido por meninos maiores por ser delicado demais. Em uma das perseguições, ele encontra Juan (Mahershala Ali), traficante das redondezas que protege e alimenta o garoto, demonstrando afeto e preocupação com a situação dele ao ponto de levá-lo para a sua própria casa que divide com a namorada Teresa (Janelle Monáe). Juan acompanha o menino em diversas situações, tornando-se uma espécie de porto seguro e fonte de afeto. É ele que ensina Little a nadar e que diz que ele não deve se preocupar se é gay ou não. Aliás, é impossível não se emocionar com a cena que certamente valeu o Oscar para o incrível trabalho de Ali, quando ele confessa que vende drogas para a mãe de Little e que é diretamente responsável por toda a dureza que o menino enfrenta na vida. O diretor construiu a relação de Juan e Little com grande habilidade, trazendo de forma poética a explicação para o título da obra que fundamentou o filme, com um diálogo que soa como uma espécie de advertência para os meninos negros ficarem longe do crime: "sob a luz da lua, meninos negros parecem azuis".  

No segundo capítulo, nosso protagonista surge adolescente usando o seu nome de batismo, Chiron. Temos o desaparecimento de Juan, apenas insinuado de forma cínica pela mãe durante uma briga com o filho, nos levando a deduzir que ele morreu de forma violenta. As perseguições e agressões acontecem agora dentro da escola e de casa, com a mãe afundando nas drogas e usando a prostituição para financiar o seu vício. Chiron continua solitário e sem saber exatamente quem é, buscando ficar invisível para fugir das agressões, do julgamento dos outros e dos questionamentos que faz a si mesmo. Os únicos momentos bons em sua vida surgem na sua relação com Teresa (sempre afetuosa) e a proximidade com o seu único amigo, mas que só acontecem em raros momentos.

O diretor faz questão de deixar bem evidente a sua crítica ao sistema educacional que ainda poderia ser um fio de esperança para uma vida melhor ou para promover um pouco de equidade, mas a escola apenas reforça a brutal desigualdade e não age, mesmo quando a violência acontece dentro do seu espaço na frente dos professores. Nesse momento, com toda delicadeza possível, é mostrada a descoberta sexual de Chiron e as implicações disso em um contexto de abandono, violência e falta de oportunidades e até mesmo de esperança. O que se espera de meninos negros das periferias que não seja a violência, o crime e a morte? É impressionante como todos encontram o único destino que parece surgir em suas trajetórias: por diferentes motivos todos vão acabar presos, assassinados, consumidos pelas drogas ou estarão em situação de risco. Quando Chiron sai da escola algemado depois de finalmente reagir à violência dos seus agressores, fica evidente que o sistema falhou terrivelmente com o menino meigo que se sentia feliz ao dançar em frente do espelho.

Surge então o último capítulo onde toda a violência simbólica ou real sofrida na infância e na adolescência transforma-se em delicadeza, afeto e acertos de contas há muito necessários. Black é a terceira fase do protagonista, um rapaz agora forte e bonito que saiu da prisão, mudou de cidade e atua no tráfico, exatamente como Juan, indicando que os exemplos e as referências marcaram profundamente o menino. O retorno de Black para a cidade é provocado por um telefonema de um amigo com o qual ele nutre uma relação de amor e desejo. Nesse momento, ele aproveita para visitar a mãe que está internada em uma clínica de reabilitação e despeja toda a sua mágoa e decepção em poucas palavras que são compensadas com gestos e lágrimas, mostrando toda a dificuldade do rapaz em transformar a sua angústia em palavras. Black é o conjunto de todos os elementos da sua vida, o seu silêncio e desconfiança de todos traduz o pior que sempre está por vir e que ele, de alguma forma, parece conseguir prever. O encontro final com o amigo é ao mesmo tempo simples e intenso porque materializa toda a dificuldade de construção da própria identidade em um contexto tão hostil: afinal, o que é ser negro, pobre e homossexual na periferia de uma sociedade que não dá margem para as diferenças? Essa foi a pergunta brilhantemente respondida em Moonlight.

Minhas críticas profissionais preferidas sobre o filme: Cinema em Cena, Moonlight.

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