terça-feira, 11 de abril de 2017

Animais Noturnos

Data de lançamento: 2016 (Brasil)
Direção: Tom Ford
Roteiro: Tom Ford
Elenco: Jake Gyllenhaal, Amy Adams, Aaron Taylor-Johnson, Michael Shannon, Laura Linney, Isla Fisher.
Gênero: Drama/Suspense
Duração: 115 minutos
País: EUA
Idioma: Inglês
Distribuidor: Universal
Sinopse: Susan é uma negociante de arte que se sente cada vez mais isolada do parceiro. Um dia, ela recebe um manuscrito de autoria de Edward, seu primeiro marido. Por sua vez, o trágico livro acompanha o personagem Tony Hastings, um homem que leva sua esposa e filha para tirar férias, mas o passeio toma um rumo violento ao cruzar o caminho de uma gangue. Durante a tensa leitura, Susan pensa sobre as razões de ter recebido o texto, descobre verdades dolorosas sobre si mesma e relembra traumas de seu relacionamento fracassado.
Link para o trailer legendado: Animais Noturnos

Eu não sei em que planeta eu estava vivendo até hoje, mas eu nem suspeitava que Tom Ford fosse também cineasta!!! Pausa dramática: como eu não sabia disso e estava perdendo esse trabalho maravilhoso?? Quando eu li que Animais Noturnos é o segundo filme de Tom Ford que capricha na estética visual, lembrei logo de Ridley Scott que veio do mundo da propaganda e produziu maravilhas como Alien e Blade Runner, sendo durante muito tempo uma referência das possibilidades de espetáculo visual no cinema. Eu tenho muitas coisas para comentar sobre o filme e já começo me desculpando porque o post ficou muito longo, mas penso que vale a pena discutir alguns elementos que não estão restritos ao filme, mas também transbordam para o nosso cotidiano.

O fato de Tom Ford ser um estilista com uma visão estética e artística apurada pode ser percebido em cada segundo de Animais Noturnos, até mesmo nas cenas mais repugnantes. Sim, Tom Ford já começa o filme mostrando que o percurso não será fácil e joga na cara do espectador uma discussão complexa sobre padrões de beleza, obesidade, sexualidade e o intrincado caminho que a arte faz ao se apropriar de símbolos e desconstruí-los para revelar as mazelas e hipocrisias da sociedade. O contraste entre a beleza e perfeição do mundo da protagonista está sinalizado nas roupas chiquérrimas, no cabelo e maquiagem impecáveis e na casa bela e fria onde ela vive. As mazelas são os outros, o marido indiferente, o ex-marido ressentido, a mãe insensível, os amigos que vivem de aparências, os funcionários que oscilam entre a bajulação, admiração e a necessidade de consumo desenfreado (uma assistente parece não se importar quando a chefe deixa cair e quebra o seu celular afirmando que o "celular novo já está comprado e a caminho").

O filme inicia com Susan justificando as suas atitudes e criticando os outros, seja quando ela conversa com o marido sobre o ex que nunca atendeu aos seus telefonemas, mostrando-se imaturo e rancoroso, ou nas conversas com a mãe que não compreende as suas aspirações e até mesmo na conversa com os amigos quando ela faz uma crítica ao marido e a atual situação financeira deles. Vemos o ponto de vista dela em relação aos outros e isso começa a mudar quando ela recebe um pacote com o manuscrito de um livro escrito pelo ex-marido com dedicatória para ela. Começa então um filme dentro do filme e acompanhamos a realidade de Susan lendo o livro e realizando outras atividades como ligar para o marido, para a filha, ir ao trabalho etc e o universo do livro, uma história tensa e extremamente violenta que é contada aos poucos, ao mesmo tempo em que surgem flashbacks da relação de Susan e do ex-marido. Parece complicado, não? Mas não é. Surpreendentemente, Ford consegue articular esses três universos com maestria e todos estão interconectados, relacionados e articulados o tempo todo. Não existe desperdício, não há nada dispensável na cenas que se sucedem e nos surpreendem a cada instante.

Li em algum lugar que as pessoas fizeram um comparação entre as história, argumentando que a história do livro era melhor do que o próprio filme. Tsc, tsc, tsc... A encenação do livro nada mais é do que um mergulho profundo no interior de cada um, nos conflitos, ações e, sobretudo, culpa. O que fazer quando cometemos um erro tão drástico que nunca poderá ser perdoado, ou que nunca conseguiremos nos perdoar? Não adianta tentar encontrar a correspondência entre os personagens e concluir que Susan é a transposição da esposa de Tony no livro, ou pensar que Edward é o alter ego de Tony. São as ações que importam e a cada momento um assumirá a personalidade e as ações do dois envolvidos. Por exemplo, o erro e culpa de Tony ao abandonar a esposa e a filha não é o mesmo erro de Susan no passado? Ao assumir a imensa covardia que sempre pontuou a sua vida, não estaria Edward reconhecendo a sua responsabilidade do fim do seu casamento com Susan, através das ações de Tony no livro? Sim, eu sei que parece complicado, mas o filme não deixa margem para confusões na história, embora deixe surgir a ambiguidade dos sentimentos dos envolvidos o tempo todo. Penso que isso é proposital, não somos lineares, mudamos ao longo da vida várias vezes e os sentimentos também são confusos em diversos momentos das nossas vidas.

Através do seu livro, Edward obriga Susan a recapitular a sua vida e repensar as suas atitudes no passado de forma dolorosa em alguns momentos e assustadora em outros. No meio do filme ela já admite para sua assistente que agiu de forma terrível com Edward, mas só vamos saber a dimensão do seu ato já no final. Ao mesmo tempo em que reencontra o seu passado e reflete sobre as suas ações, Susan passa a enxergar de forma mais clara a sua vida atual e o resultado de suas escolhas. Inicialmente, ela tenta se ancorar no marido que faz uma conveniente viagem a trabalho, deixando Susan sozinha com o livro, com os seus pensamentos e sua consciência. Ao retomar o caminho percorrido e construir as suas reflexões, traduzidas de forma didática ou cruel no livro de Edward, ela passa a ter esperança em se reconectar com Edward e obter o seu perdão. O final escolhido por Ford é tão realista quanto a abertura pretendeu ser.

É curioso como Ford distribui a culpa entre todos os envolvidos, tanto na história real quanto na ficção construída por Edward. Isso está posto em pequenos elementos que sinalizam o nosso papel nas consequências de nossas ações na vida: na história do livro, Tony decide viajar com a família usando um carro velho que poderia dar problemas ou não permitir a agilidade necessária em uma emergência. A filha adolescente provoca os estranhos que estão em outro carro e a esposa atua de forma arrogante mesmo quando estão em evidente desvantagem. Em um determinado momento, o xerife chega a perguntar para Tony como eles foram subjugados tão facilmente se nenhum dos bandidos apontou uma arma para eles, evidenciando todo despreparo, covardia e falta de malícia de Tony, características que também pertencem ao autor do livro. Evidentemente, a mensagem que fica não é que as pessoas tiveram o que mereceram, não é esse o ponto. O que o diretor parece querer mostrar com esses detalhes é que não existe culpa unilateral em nenhum fracasso, seja esse no casamento ou na vida. Todos erramos em algum momento e, mesmo quando a ação do outro é imperdoável, nós também contribuímos de alguma forma para aquele desfecho. Saber onde e como erramos parece ser um bom indicativo para melhorarmos nas próximas relações sejam elas amorosas, familiares ou de amizade.

As atuações do filme são maravilhosas e tenho certeza que Animais Noturnos será um daqueles filmes que serão revisitados muitas no futuro. Amy Adams está maravilhosa, Jake Gyllenhaal demonstra todo o desespero e dor de forma fantástica, Aaron Taylor-Johnson colocou uma dimensão realista e repugnante no seu vilão e você realmente tem pavor dele, mas o mais surpreendente de todos, é o xerife interpretado por Michael Shannon que rouba todas as cenas e segura momentos fundamentais do filme. Ele realmente mereceu a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante, pena que a concorrência foi muito acirrada em um ano de excelentes filmes e atuações. Os demais atores também mereciam indicações ao Oscar, principalmente Amy Adams que está maravilhosa em A Chegada também. O fato da academia ter ignorado Animais Noturnos é algo realmente difícil de compreender.

A crítica mais interessante que li sobre o filme foi na Carta Capital com o título "‘Animais Noturnos’ é estudo amargo sobre a culpa disfarçado de suspense". A leitura vale a pena! Carta Capital

sábado, 8 de abril de 2017

Manchester à Beira-Mar

Data de lançamento: 2017(Brasil)
Direção: Kenneth Lonergan
Roteiro: Kenneth Lonergan
Elenco: Casey Affleck, Lucas Hedges, Michelle Williams, Matthew Broderick, Kara Hayward, Tate Donovan, Stephen Henderson.
Gênero: Drama
Duração: 137 minutos
País: EUA
Idioma: Inglês
Distribuidor: Sony
Sinopse: Lee Chandler é uma espécie de faz-tudo do pequeno complexo de apartamento onde vive, no subúrbio de Boston. Ele passa seus dias tirando neve das portas, consertando vazamentos e fazendo o possível para ignorar a conversa de seus vizinhos. Ele é forçado a retornar para sua cidade natal com o objetivo de tomar conta de seu sobrinho adolescente após o pai do rapaz, seu irmão, falecer precocemente.
Link para o trailer legendado: Manchester à Beira-Mar

Manchester à Beira-Mar aborda um tema espinhoso, não apenas por causa do seu conteúdo, mas por causa do percurso escolhido para realizar essa abordagem. O caminho mais fácil seria a eterna fórmula mocinho-traumatizado-com-a-perda-encontra-no-amor-a-força-para-a-sua-redenção, mas Kenneth Lonergan, diretor e roteirista, escolhe um caminho muito mais árduo e incômodo. Lonergan corajosamente mostra a pior face do luto: não existe nada de bonito na dor da perda de uma pessoa querida, nem todo mundo reage da mesma forma e o recomeço não é para todos. O filme começa com a apresentação do protagonista na qual o diretor enfatiza dois aspectos decisivos para desvendarmos a história de Lee Chandler: o primeiro é o trabalho pesado e humilhante que ele realiza de forma eficiente e resignada, seja carregando lixo, desentupindo privadas ou fazendo pequenos consertos. O outro é a sua personalidade arredia, evidenciada na forma grosseira como ele trata as pessoas ou na provocação para se envolver em uma briga de bar. Lee é aquele tipo de sujeito que está pedindo o tempo todo para ser demitido, surrado ou morto.

A morte do irmão o obriga a voltar para sua cidade natal e já percebemos que existe uma certa tensão no ar: observamos o ponto de vista de Lee ao dirigir o seu carro na chuva com o trânsito pesado até chegar na cidade como uma metáfora da sua resistência ao retorno. Lee funciona como um autômato resolvendo os problemas burocráticos para enterrar o irmão e cuidar do sobrinho. Aqui fica uma sutileza maravilhosa do filme, no início vemos Lee brincando com o sobrinho pequeno de forma bem-humorada e carinhosa com toda a fluidez de uma relação positiva e saudável. No reencontro com o sobrinho adolescente, a relação entre eles é tensa e, embora Lee demonstre uma preocupação sincera com o sobrinho e se empenhe em várias ações que mostram o seu cuidado, alguma coisa parece fora da ordem. Essa sensação é comprovada quando Lee se recusa a assumir a guarda do sobrinho, desejo do seu irmão que foi devidamente registrado no testamento. A surpresa de Lee ao descobrir o desejo do irmão nos parece estranha porque se não existiam outros parentes próximos, a quem o irmão deveria confiar para cuidar do filho na sua ausência?

É importante considerar que a morte do irmão funciona como uma espécie de distrator para o espectador, inicialmente pensamos que Lee é um sujeito com uma personalidade desagradável que sofre com a morte do irmão, o que justificaria as suas ações desajustadas em um contexto no qual quase todos parecem gostar dele. Ao longo do filme, surgem alguns personagens que demonstram incômodo com a presença de Lee e parece que são colocados lá exatamente para desconfiarmos que tem algo mais na história que ainda não foi revelado, mantendo o interesse não apenas em descobrir como os impasses serão resolvidos, mas também para compreender o comportamento de Lee e as razões do seu sofrimento.

Quando finalmente descobrimos o tamanho da tragédia vivida por Lee no passado, torcemos para que ele supere e siga em frente, mas o filme mostra que essa escolha não é tão fácil e que o tempo não cura tudo, sobretudo quando uma enorme culpa insiste em nos devorar por dentro. Se o luto já é difícil e complexo em condições normais, quando sobrecarregado de uma culpa avassaladora (real ou imaginária), pode nunca ter fim. É isso que o diretor mostra no filme e o incômodo vem exatamente das sutilezas, como a caracterização dos personagens e cenários da forma mais natural possível, assim como a naturalidade dos diálogos que poderiam acontecer em qualquer casa, família ou contexto.

Para mim, o maior incômodo foi perceber que Lee não alcança a redenção tão necessária porque ele não deseja a redenção, tudo o que ele mais quer é a punição. E como ela nunca vem, ele segue a vida acreditando ser indigno de qualquer amor, até mesmo o comovente afeto e devoção do sobrinho, ou felicidade. Manchester à Beira-Mar não é um filme fácil e, embora eu não ache que Casey Affleck tenha merecido o Oscar de melhor ator ou que a atuação de Michelle Williams tenha sido esplêndida, é um filme que merece ser visto.

A crítica profissional sobre o filme que eu mais gostei foi a do Plano Crítico.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

La La Land: cantando canções

Data de lançamento: 2017 (Brasil
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Elenco: Emma Stone, Ryan Gosling, Tom Everett Scott, John Legend, Finn Wittrock, J.K. Simmons, Rosemarie DeWitt.
Gênero: Musical
Duração: 128 minutos
País: EUA
Idioma: Inglês
Distribuidor: Paris Filmes
Sinopse: O pianista Sebastian conhece a atriz iniciante Mia e os dois se apaixonam perdidamente. Em busca de oportunidades para suas carreiras na competitiva cidade, os jovens tentam fazer o relacionamento amoroso dar certo enquanto perseguem fama e sucesso.
Link para o trailer legendado: La La Land: cantando canções

La La Land foi o primeiro filme que eu vi dos concorrentes ao Oscar de melhor filme em 2017. Eu demorei para escrever sobre ele por uma razão simples: eu detestei o filme! Detestei ao ponto de ter assistido em duas etapas porque não suportei aguentar tudo de uma tacada só. Sim, as críticas foram favoráveis, o filme ganhou vários prêmios e gente muito bem qualificada achou o filme excelente. Mas será que é essa maionese toda? Bom, não é. Mesmo o crítico mais entusiasmado enaltece muito mais o que o filme deveria ser do que realmente é. O filme tem alguns elementos interessantes, uma fotografia bonita, atores simpáticos, mas é só.

O diretor e roteirista Damien Chazelle fez um filme para homenagear um gênero que está esquecido e é considerado cafona por muita gente, sobretudo a nova geração que tem uma vaga ideia da importância e brilhantismo de musicais como Cantando na Chuva, Sinfonia em Paris, A Roda da Fortuna etc. Como diz o ditado, de boas intenções o inferno está cheio e para quem ama os musicais clássicos com cenas memoráveis, La La Land pode parecer um insulto. O maior problema está nas músicas (péssimas e descartáveis) e na fragilidade dos protagonistas durante os números de dança. Em uma das cenas que aparece apenas a sombra dos protagonistas, torna-se evidente que os dançarinos que estamos vendo são dublês, tamanha é a diferença do desempenho em relação aos outros números de dança da dupla. Eu só conseguia pensar em como alguém faz um musical para homenagear um gênero que tem como referência nomes como Fred Astaire, Gene Kelly, Ginger Rogers e escala uma dupla com tantas limitações para dançar??? Talvez tenha sido uma decisão pautada na genialidade do diretor que queria justamente mostrar que qualquer um pode dançar, basta querer e estar apaixonado. Vai saber...

Li sobre o brilhantismo da cena inicial (sim, é boa, principalmente porque os dois atores principais não estão lá dançando), a genialidade da sobrecarga de cores (achei cansativo) e a ambiguidade temporal (o cenário parece de uma época mais antiga, mas todos usam celular e o efeito alcançado com esse "truque" foi que fiquei confusa e não identifiquei a situação como algo brilhante ou inovador). A melhor parte do filme e que eu percebi como algo realmente interessante aparece já no final, quando vemos o que poderia ter sido o relacionamento dos dois protagonistas se a vida tivesse tomado outro rumo. Ali é possível se identificar e se projetar para dentro do filme. Mas é só isso e dura pouco.

Eu encontrei poucas críticas negativas ao filme, coloquei o link de uma delas que tem o sugestivo título de "La La Land”: os críticos devem estar loucos". O Pablo Villaça também faz algumas críticas interessantes ao filme no Cinema em Cena. Os links estão logo a seguir e cada um que tire as suas próprias conclusões!

Blog do Barcinski

Cinema em Cena