domingo, 5 de março de 2017

Estrelas Além do Tempo

Data de lançamento: Fevereiro de 2017 (Brasil)
Direção: Theodore Melfi
Roteiro: Theodore Melfi
Elenco: Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janelle Monáe, Kevin Costner, Kirsten Dunst, Jim Parsons
Gênero: Drama
Duração: 2h e 06 minutos
País: EUA
Idioma: Inglês
Distribuidor: Fox
Sinopse: Em plena Guerra Fria, Estados Unidos e União Soviética disputam a supremacia na corrida espacial ao mesmo tempo em que a sociedade norte-americana lida com uma profunda cisão racial, entre brancos e negros. Tal situação é refletida também na NASA, onde um grupo de funcionárias negras é obrigada a trabalhar a parte. É lá que estão Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe), grandes amigas que, além de provar sua competência dia após dia, precisam lidar com o preconceito arraigado para que consigam ascender na hierarquia da NASA.
Link para o trailer legendado: Estrelas Além do Tempo

Quando um filme anuncia que foi baseado em fatos reais já no cartaz, você supõe que o que ponto mais interessante da narrativa será a história pessoal dos protagonistas, afinal, o que poderia surgir de novo em relação aos fatos históricos? A primeira grande surpresa em Estrelas Além do Tempo é que sim, existem fatos históricos importantíssimos - sobretudo para os negros e mulheres - que ficaram escondidos por décadas! Aliás, o título original é muito mais direto sobre isso, "Hidden Figures" (Figuras Ocultas) expressa a injustiça enorme que foi com pessoas fundamentais para o sucesso americano na corrida espacial.

O mais chocante é que a história não ficou escondida apenas do "grande público" que por razões óbvias não tem obrigação de conhecer os detalhes e os bastidores de uma instituição como a Nasa, mas até mesmo as pessoas da área ignoravam essa história: eu cursei dois períodos de Astronomia na universidade, fui monitora da disciplina durante dois anos consecutivos e nunca tinha ouvido falar sobre Katherine Johnson! Provavelmente havia alguma referência com o sobrenome Johnson na bibliografia, mas nenhum professor ou professora disse algo sobre a trajetória dela.

Outro aspecto histórico que surge no filme como um rolo compressor revela as condições dos negros no começo da década de 1960, tornando mais surpreendente ainda que alguns negros tenham conseguido alcançar posições de destaque na sociedade americana naquele período. O diretor e roteirista Theodore Melfi apresenta os conflitos como pano de fundo ou contexto para algumas situações ao mesmo tempo em que reforça as dificuldades cotidianas para (sobre)viver naquelas condições. A segregação surge na violência de se expulsar uma mulher com os seus dois filhos de uma biblioteca pública ou no discurso emocionado de Mary Jackson (Janelle Monáe) ao entrar com um pedido na justiça para cursar disciplinas em uma universidade que só permite brancos.

Não que a condução do filme não tenha os seus problemas, principalmente ao tentar justificar algumas situações ou reforçar as dificuldades. Por exemplo, para explicar as implicações da falta de um banheiro para negros no prédio onde Katherine trabalha, as cenas são tão repetitivas que cansam e não ajudam muito na construção do desfecho com o desabafo da protagonista contra as injustiças que sofria. Aliás, as excelentes atuações dão força ao roteiro e amenizam os eventuais problemas da narrativa. Kevin Costner é uma surpresa, sua atuação foge do caminho fácil de uma caricatura do chefe homem, pai de família, branco e esforçado. Ele consegue construir um contraponto interessante com os outros membros de sua equipe não porque tem consciência do que acontece ao seu redor, mas porque está tão focado em alcançar o sucesso da missão que não tem tempo ou disposição para mediar conflitos ou observar o comportamento da sua própria equipe. Como já disse Hannah Arendt, a omissão também é um caminho para a banalização do mal. Coube ao personagem de Jim Parson expressar o viés racista e ressentido que existia em todos os membros da equipe, mas isso é feito sem o vigor necessário e, mais uma vez, soa repetitivo e irritante. Já Kristen Dunst é mais eficiente e exibe competência como a chefe fria e indiferente, quase cruel em alguns momentos, mas que tem que engolir o sucesso das suas subordinadas negras.

E as três lindas? O que dizer sobre Taraji, Octavia e Janelle? Que elas estão fantásticas? Que arrasaram? Que mereciam aplausos por três horas seguidas deixando todos com as mãos inchadas? Siiiiimmmmm! Cada uma desenvolveu sua personagem de um jeito e as personalidades se complementam e reforçam a coesão entre elas porque mesmo trabalhando em áreas separadas, elas são um time. Se Katherine é a mais brilhante na sua área, é também a mais frágil por conta de sua vida pessoal (ela ficou viúva com duas filhas pequenas). Dorothy é a mais decidida e disposta a quebrar os muros do sistema, o que fica evidente quando ela rouba um livro da biblioteca sobre linguagem de programação Fortran depois de ser expulsa do lugar apenas por ser negra. A Mary interpretada por Janelle Monáe é uma delícia: inteligente, desaforada, decidida e que tem um momento lindo ao discursar na frente do juiz em busca de seus direitos. É dela também uma das falas mais importantes do filme: “toda vez que temos a chance de avançar, eles mudam a posição da linha de chegada”.

O que a história das três mulheres consegue mostrar na tela é que não importa o quanto inteligente e brilhante uma pessoa negra pudesse ser, ainda assim, ela seria tratada como inferior pela mais medíocre pessoa branca e o sistema criaria várias formas legais ou institucionais para impedir o seu crescimento. Afinal, como fica a falácia da meritocracia se você não pode se inscrever em uma determinada instituição porque legalmente só brancos são aceitos e isso é uma exigência para ascender na sua carreira? "Anhéin, nada a ver, isso aconteceu na década de 1960"... É isso mesmo, demonho, APENAS há 50 anos existiam banheiros para pessoas brancas e pessoas negras e nós acreditando que o apartheid na África do Sul é que era o problema da humanidade!

Um dos grandes méritos do filme é mostrar algo que já percebemos nas nossas discussões sobre cotas para as minorias no Brasil: a questão racial não é apenas uma herança cultural, existe uma resistência e receio profundo das pessoas brancas que querem continuar a garantir os seus privilégios. Em tempos de ignorância generalizada e conversas equivocadas sobre "vitimismo" e "racismo reverso", é um filme imperdível.

Minhas críticas profissionais preferidas sobre o filme: Cinema em Cena, Plano Crítico

Nenhum comentário:

Postar um comentário