Manchester à Beira-Mar aborda um tema espinhoso, não apenas por causa do seu conteúdo, mas por causa do percurso escolhido para realizar essa abordagem. O caminho mais fácil seria a eterna fórmula mocinho-traumatizado-com-a-perda-encontra-no-amor-a-força-para-a-sua-redenção, mas Kenneth Lonergan, diretor e roteirista, escolhe um caminho muito mais árduo e incômodo. Lonergan corajosamente mostra a pior face do luto: não existe nada de bonito na dor da perda de uma pessoa querida, nem todo mundo reage da mesma forma e o recomeço não é para todos. O filme começa com a apresentação do protagonista na qual o diretor enfatiza dois aspectos decisivos para desvendarmos a história de Lee Chandler: o primeiro é o trabalho pesado e humilhante que ele realiza de forma eficiente e resignada, seja carregando lixo, desentupindo privadas ou fazendo pequenos consertos. O outro é a sua personalidade arredia, evidenciada na forma grosseira como ele trata as pessoas ou na provocação para se envolver em uma briga de bar. Lee é aquele tipo de sujeito que está pedindo o tempo todo para ser demitido, surrado ou morto.
A morte do irmão o obriga a voltar para sua cidade natal e já percebemos que existe uma certa tensão no ar: observamos o ponto de vista de Lee ao dirigir o seu carro na chuva com o trânsito pesado até chegar na cidade como uma metáfora da sua resistência ao retorno. Lee funciona como um autômato resolvendo os problemas burocráticos para enterrar o irmão e cuidar do sobrinho. Aqui fica uma sutileza maravilhosa do filme, no início vemos Lee brincando com o sobrinho pequeno de forma bem-humorada e carinhosa com toda a fluidez de uma relação positiva e saudável. No reencontro com o sobrinho adolescente, a relação entre eles é tensa e, embora Lee demonstre uma preocupação sincera com o sobrinho e se empenhe em várias ações que mostram o seu cuidado, alguma coisa parece fora da ordem. Essa sensação é comprovada quando Lee se recusa a assumir a guarda do sobrinho, desejo do seu irmão que foi devidamente registrado no testamento. A surpresa de Lee ao descobrir o desejo do irmão nos parece estranha porque se não existiam outros parentes próximos, a quem o irmão deveria confiar para cuidar do filho na sua ausência?
É importante considerar que a morte do irmão funciona como uma espécie de distrator para o espectador, inicialmente pensamos que Lee é um sujeito com uma personalidade desagradável que sofre com a morte do irmão, o que justificaria as suas ações desajustadas em um contexto no qual quase todos parecem gostar dele. Ao longo do filme, surgem alguns personagens que demonstram incômodo com a presença de Lee e parece que são colocados lá exatamente para desconfiarmos que tem algo mais na história que ainda não foi revelado, mantendo o interesse não apenas em descobrir como os impasses serão resolvidos, mas também para compreender o comportamento de Lee e as razões do seu sofrimento.
Quando finalmente descobrimos o tamanho da tragédia vivida por Lee no passado, torcemos para que ele supere e siga em frente, mas o filme mostra que essa escolha não é tão fácil e que o tempo não cura tudo, sobretudo quando uma enorme culpa insiste em nos devorar por dentro. Se o luto já é difícil e complexo em condições normais, quando sobrecarregado de uma culpa avassaladora (real ou imaginária), pode nunca ter fim. É isso que o diretor mostra no filme e o incômodo vem exatamente das sutilezas, como a caracterização dos personagens e cenários da forma mais natural possível, assim como a naturalidade dos diálogos que poderiam acontecer em qualquer casa, família ou contexto.
Para mim, o maior incômodo foi perceber que Lee não alcança a redenção tão necessária porque ele não deseja a redenção, tudo o que ele mais quer é a punição. E como ela nunca vem, ele segue a vida acreditando ser indigno de qualquer amor, até mesmo o comovente afeto e devoção do sobrinho, ou felicidade. Manchester à Beira-Mar não é um filme fácil e, embora eu não ache que Casey Affleck tenha merecido o Oscar de melhor ator ou que a atuação de Michelle Williams tenha sido esplêndida, é um filme que merece ser visto.
A crítica profissional sobre o filme que eu mais gostei foi a do Plano Crítico.
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